Meios de Pagamento
Guest Post: a Nubank pode quebrar?
A resposta simples para esta pergunta é: qualquer empresa pode quebrar, mas no caso da Nubank, há particularidades que valem a pena ser exploradas.. Explico cada uma das considerações abaixo, e no final chego à minha conclusão.
Pra começar, quero deixar claro que sou fã de carteirinha da Nubank, e que indico a todos que conheço o cartão. Torço profundamente pela empresa, porque como cliente não vejo ninguém que me atenda melhor, e sem custo!
Isto dito, vale a pena explorar algumas particularidades do business de cartões de crédito, e da situação dos players do setor.
O Setor
Existem 3 principais personagens no setor de cartões de crédito: a Bandeira (as mais conhecidas VISA e MASTERCARD), o Adquirente (dono da maquininha, sendo a Rede e a Cielo os mais presentes no varejo brasileiro) e o Emissor (aqui tem muita gente, desde os bancos até a própria Nubank).
Toda vez que você passa seu cartão em uma maquininha, aproximadamente 97% do valor vai para o dono da loja, e os outros 3% do valor são divididos entre os 3 caras acima. Adquirente e emissor ficam com as fatias mais gordas da taxa, a bandeira recebe uma parcela bem menor.
Os Players
Bom, a Bandeira não tem grandes custos, é basicamente uma empresa de marca. Tem programa de milhagem, folha de pagamento, marketing e despesas menores. Basta ver o lucrinho de US$ 5,99 bilhões reportado em 12 meses encerrados em setembro agora.
Ser Adquirente também é bom negócio. Você é basicamente uma empresa de tecnologia em autorização de transações com algum investimento em maquininhas. Abaixo o último DRE da Cielo. Bonito de ver mais de R$ 1 bilhão de lucro em 1 trimestre apenas.
E aí chegamos no Emissor. Um emissor normal tem três grandes fontes de receita: (i) Taxa de administração (o % cobrado do lojista em cada transação), (ii) Tarifas (que no caso a Nubank abriu mão) e (iii) receitas financeiras de juros do povo que atrasa o pagamento do cartão (neste aspecto, inicialmente, a Nubank resolveu se estabelecer como “democrática”, cobrando taxas de juros mais baixas que o mercado).
Bom, o item (iii) já foi por água, veja em: http://exame.abril.com.br/seu-dinheiro/nubank-quase-dobra-juros-de-quem-nao-paga-o-total-da-fatura/
A NUbank não fez nada de errado, apenas se adaptou à realidade do nosso mercado do ponto de vista de taxa de juros. Não acho que os juros no Brasil são civilizados, mas a nossa inadimplência também não é.
E aí vem a grande particularidade malévola do Emissor: o Cliente! Quando um cliente gasta R$ 100 em uma loja, é certo que o emissor deverá pagar R$ 97 para aquela loja. Em contrapartida, o emissor terá a receber os R$ 100 do cliente (estou simplificando, e ignorando as figuras do adquirente e da bandeira, que também estão nesse bolo de R$ 3,00).
Mas na vida real não funciona bem assim. Na vida real o Emissor paga o lojista, e o cliente paga parcialmente o emissor, ou não paga o emissor. Isso consome muito caixa, e é extremamente perigoso.
Os juros altos brasileiros, que já foram adotados pelo Nubank também, transformam esse problema em uma verdadeira bola de neve. Em 1 mês, esses R$ 100,00 já pulam pra R$ 114, no outro pra R$ 130, e entre 5 a 6 meses o valor já dobrou.
Bom, essa é a explicação técnica de porque uma emissora de cartões consome tanto caixa enquanto está crescendo. E a Nubank cresce mais que qualquer outra emissora.
Bom, como qualquer empresa S/A com patrimônio superior a R$ 1 milhão, a Nubank é obrigada a publicar balanço por lei. E entrando no Diário Oficial do Estado de São Paulo, os dados são públicos e disponíveis. Basta acessar http://balancos.imprensaoficial.com.br/Condiario.asp e procurar a empresa NU Pagamentos. Você vai encontrá-la aqui:
O último balanço publicado é o de 2015, constante no Diário Oficial do dia 29/03/2016, página 409.
Mas o que nos diz esse balanço?
O prejuízo contábil não é tão grande, estamos falando de R$ 32,7 milhões
Já o caixa….
* Em 2015 a NUbank consumiu R$245 milhões de caixa
* Seus sócios aportaram R$ 300 milhões pra cobrir isso, e
* A empresa terminou o ano com R$ 53 milhões em caixa
Provavelmente esse saldo em caixa não durou muito, em 27 de abril houve um novo anúncio de dinheiro novo, desa vez dívida: http://exame.abril.com.br/negocios/nubank-obtem-us-53-mi-em-emprestimos-do-goldman-sachs/.
Não bastasse o nível altíssimo de consumo de caixa por conta da própria operação, o Nubank fez em 2016 investimentos relevantes no seu novo escritório: http://exame.abril.com.br/negocios/por-dentro-da-sede-roxa-e-inovadora-do-nubank/.
Enfim, a Nubank está em um business muito difícil por natureza, e ela dificulta o business para si própria ao não cobrar tarifa nenhuma. Enquanto cresce, esse negócio vai continuar drenando um caixa BEM relevante.
E o mais interessante: o serviço e a tecnologia são tão diferenciados dos demais cartões, que eu pagaria tarifa (baixa) para ser cliente deles, e para garantir a continuidade da empresa.
Não podemos nos esquecer, naturalmente, que há gente muito grande por trás da Nubank, como Sequoia Capital, Tiger Global, Founders Fund, Kaszek Ventures e QED Investors. Não há nenhuma questão sobre quanto dinheiro esses fundos tem, a questão é quanto eles estão dispostos a colocar antes de vender a Nubank (sim esses fundos entram para sair). Como brincou um amigo meu, é casamento com divórcio marcado. Quem vai comprar? Itaú me parece um bom candidato. Ele está, como todos os grandes bancos, incomodado com a rápida expansão da Nubank. Mas, diferentemente do Bradesco e do Banco do Brasil, não criou (ainda) um competidor direto como o Digio: http://epocanegocios.globo.com/Empresa/noticia/2016/09/banco-criado-por-bb-e-bradesco-lanca-cartao-para-concorrer-com-nubank.html.
Há também estrangeiros do setor de cartões que adorariam pegar essa base de clientes do Nubank, mas boa parte deles cobra tarifa de seus clientes, o que inviabiliza manter a mesma base nas mesmas condições.
Respondendo a questão do título do anúncio: a Nubank pode quebrar? Acho pouco provável, é mais provável que os fundos continuem arcando com o prejuízo e o consumo de caixa até venderem o negócio. Mas é fato que a empresa por si só, e com esse modelo sem cobrar tarifa não é sustentável. Sem mesada do pai, a Nubank não consegue pagar as próprias contas. E sinceramente acredito que será difícil fazer isso sem tarifa nenhuma. E por que eu escrevi esse artigo todo? Porquê há meses venho pedindo um aumento de limite no meu Nubank, que vem sendo constantemente negado. Não há nenhuma razão de crédito para isso acontecer do meu lado. Mas entendo que aNubank deve estar pisando um pouco no freio na concessão de crédito. Ela está correta em fazer isso!
Eu entendo eles e continuo fã de carteirinha do cartão e da tecnologia! Do ponto de vista de finanças, sou mais crítico que fã. Acho que falta austeridade. Não me agradaria como investimento.
Mas boa sorte e longa vida ao Nubank! Espero que os investidores deles continuem aportando dinheiro e que a gente continue usando o Roxinho, gosto muito dele!
* Artigo publicado originalmente em: https://www.linkedin.com/pulse/nubank-pode-quebrar-eduardo-carone